Considerações sobre a Criminalização da falta de recolhimento do ICMS
OSuperior Tribunal de Justiça, no segundo semestre do ano passado, realizou julgamento que alarga, com certo rigor, os contornos jurídicos que envolvem a configuração de crime contra a ordem tributária.
O senso comum acumulado no contexto de quem paga tributo, por muito tempo, se pautou na premissa de que “deixar de pagar tributo já declarado é mera inadimplência e não crime”, ao passo que “não declarar e não pagar tributo pode ser crime”. No julgamento do Habeas Corpus nº 399.109 /SC o STJ, em entendimento contrário, unificou o entendimento de que o não recolhimento de ICMS em operações próprias, mesmo quando haja declaração do imposto, pode ser considerado crime, nos termos do no artigo 2º, II da Lei 8137 de 1990.
Sob a relatoria do Ministro Rogerio Schietti Cruz, a Terceira Seção do STJ, por maioria, decidiu pela configuração do crime chamado de apropriação indébita tributária, a falta de pagamento do ICMS que foi normalmente declarado ao Fisco Estadual pelo comerciante.
O fundamento do STJ considera os aspectos do ICMS para o Direito Tributário, classificado como tributo indireto e não cumulativo. Significa dizer, por estas características, que via de regra quem arca com o encargo financeiro do imposto é o consumidor final porque o comerciante repassa o valor devido a título de ICMS na saída da mercadoria.
Por esta razão, na sistemática do ICMS, quem recolhe o imposto não é sempre quem suporta financeiramente a carga tributária. Não é o caso de outros tributos, denominados tributos diretos, no qual o próprio contribuinte que declara a obrigação tributária será onerado financeiramente com o pagamento, como por exemplo o Imposto de Renda, IPVA, IPTU.
Neste raciocínio, o STJ entendeu que a falta de recolhimento de ICMS e consequente repasse do encargo financeiro do mesmo para a próxima cadeia de circulação da mercadoria é apropriação indébita, ou seja, o delito de quem guarda posse de algo que não lhe pertence.
Tal fundamento, todavia, nem sempre se ajusta a realidade de muitos contribuintes do imposto. Muitas vezes o mercado de determinada mercadoria é tão concorrido a ponto de inviabilizar o repasse, pelo comerciante, do valor devido a título de ICMS na saída da mercadoria. Este fato por si só fulmina o discurso do STJ, posto que, efetivamente o comerciante avocou para si a carga tributária e não se apoderou de valores que não lhe pertencem.
O inconformismo dos contribuintes atingiu o Supremo Tribunal Federal. O Ministro Luís Roberto Barroso conduziu, no dia 11 de março de 2019, audiência aberta ao público, com participação de diferentes setores da sociedade civil. O Ministro levará a discussão adiante ao Plenário, salientando a “complexidade” da discussão, concedendo ainda liminar para que não seja executada a pena contra as partes envolvidas no processo a ser julgado.
Confira o acórdão do julgamento do HC 399.109 pelo STJ aqui.